sexta-feira, 22 de maio de 2009

"A triste trajetória da minha vida."


Foi assim que eu nasci. Às 19:53 do dia 20 de setembro do ano de mil novecentos e noventa, na cidade de Belém -PA, na sala 3 do bloco cirúrgico do hospital Amazônia, nascia um casal de gêmeos. Sayuri e Yuji. Nessa ordem.
Não esperei chegar o dia 21. Nasci no dia 20, mesmo prematura, com orelhas pregadas, olhos fechados e água no pulmão. Apressada.
Alguns dias dividindo a encubadora com a minha outra metade - meu irmão - e já estava pronta para entrar no seio da família, e ser paparicada pelos amigos de meus pais. Batalhadora.
Ao completar o primeiro ano de vida, o primeiro presente. Um velocípede. Nascia aí o meu desejo pela liberdade.
1 ano e 1 dia. Folga? Nunca. Começava o Baby class na escolinha Girassol. E assim foi durante longos anos da minha vida. Estudar, estudar, estudar, para ser alguém, para fazer parte da história.
Maternal, jardim, pré-escola, alfa, fundamental e médio. Isso sem contar com aulas extras, como Piano, Flauta transversal, violino, Inglês, Espanhol, Japonês, Natação, Academia, Redação e outros que, óbviamente, não fazem parte da rotina de uma criança "normal".
Bicicleta? Só com rodinhas. Patins? Jamais. Vôlei, basquete ou futebol? Violento demais. Tudo o que se movia mais rápido que um caracol - inclusive uma bola - poderia me causar graves lesões, quem sabe fraturas e outros traumatismos que viessem a comprometer meus ossos, tendões e nervos.. futuros instrumentos de trabalho, prejudicando a minha vida profissional.
Perto do vestibular? Aí sim não tinha vida. Aula das 7 da manhã, às 23:40. Todo o santo dia, com excessão dos sábados, onde me dedicava única e exclusivamente à igreja.
Passei no tão esperado curso. Medicina. Mais uma médica para a família, afinal, antes de mim, já tinham 9.
Durante a faculdade, todo o tempo era ocupado com livros, artigos científicos e muito "bumbum na cadeira", inclusive o tempo livre. Finais de semana perdidos, amizades superficiais e relacionamentos racionais era tudo o que me restava.
A faculdade terminou e chegou a Residência. Neurologia. Aquela considerada "a mais difícil", onde a gente sabe muito de quase nada. Mestrado, doutorado, pós doutorado, PHD. A sede pelo conhecimento nunca acabava. A cada dia, sabendo muito mais, sobre muito menos. Casamento? Sim, claro. Mas só no civil. Não tinha tempo para cerimônias religiosas, vestidos de noiva e outras baboseiras tradicionais.
Filhos? Também, dois meninos. Surgiram junto com o doutorado, mas foram criados por babás, e avós aposentados. Nunca deixei faltar nada. Sempre tiveram os melhores brinquedos, estudaram nas melhores escolas e vestiam as melhores roupas. Cresceram saudáveis, e cheios de aulas, assim como eu.
As rugas começaram a aparecer. As mãos, que tanto foram protegidas durante a vida, começaram a tremer. Faltava força nos músculos, e segurança nos tendões. Tive que abandonar a cirurgia, mas isso jamais seria o fim da minha carreira. Passei a investir na licenciatura. Me tornei a melhor professora de Neurologia do território nacional. E ganhei muito, muito dinheiro. Prepotência.
No auge do meu sucesso, aos 60 anos, descobri uma doença degenerativa no meu cérebro. Algo que aos poucos está me matando. E eu, neurologista, não posso fazer nada. Impotência. Ou melhor, quase nada. Ainda me resta refletir, e foi assim que eu entendi. Trabalhei muito, mas pouco sorri. Dei aos meus filhos tudo o que o dinheiro pode comprar. Mas faltou amor, carinho, atenção. Não vi o primeiro passinho. Não ouvi a primeira palavrinha. Perdi todas as formaturas, de plantão. Não os vi ganhar nenhuma medalha nos campeonatos de natação. Não conheci as namoradinhas. Não dei conselhos, não enxuguei as lágrimas. Meu marido? Fez tudo isso por mim. Mantinha tudo em seu devido lugar, enquanto eu estava "morando" em hospitais para garantir o sustento da família.
Meus filhos casaram, e hoje sou avó de cinco netos. Três meninas e dois meninos. Uma delas, tem o meu nome.
Agora, ao findar da vida, pude perceber as marcas que o tempo deixou em mim, e na minha família. Meu marido tem rugas, e quantas mais tenho eu. Meus bebês têm seus próprios bebês, e já não moram mais comigo. Moro em uma mansão vazia. Os quartos são habitados por livros, que ninguém mais, além de mim, lê. Meu piano, há quantos anos fechado e mudo..? Nem faço idéia.
Nos álbuns de fotos, raramente estou presente. Onde foi parar o meu passado? Em que página do livro histórico do mundo eu me perdi?
O tempo é cruel, não volta. Ganhei muito daquilo que eu queria. Conhecimento profissional, sucesso, dinheiro e fama. Mas perdi tudo aquilo que eu mais precisava. Amor, família, amigos, Deus. Salvei inúmeras vidas, mas esqueci de viver a minha. E isso, não tem dinheiro no mundo que traga de volta. Visitei trocentos países, ou melhor, seus hospitais e hotéis. Virei noites estudando, perdi noites de luar, amanhecer e por do sol.
Se eu pudesse voltar no tempo? Quem sabe teria tomado banho de chuva, e me jogado na lama. Quem sabe teria abraçado meus filhos, e vivido o amor solitário do meu marido. Teria curtido o vento bagunçando o meu cabelo, andaria descalça na praia, sem medo de pegar doenças.
Se o mundo dá voltas e voltas, a minha montanha russa parece estar chegando ao fim da linha. Ganhei o mundo, perdi a vida.

8 comentários:

  1. NOssa Sassá... Que texto manifico!!

    Lindaa to morrendo de sauades de dar gargalhadas com vc!!! Vem pra cá vem!!

    BJinhus

    [Deu mto trabalho em postar com URL, vou ser anonima}

    Hemille =]

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  2. Sassááá :D Sou blogueira agora tbm! HSAUSH Bom, sobre o teu texto, não sei se vc que escreveu ou se adapatou, mas o que eu sei é que você vai ter outra história de vida pra contar. Diferente dessa pq vc é encantadora, garota! õ/ Beeijos :*

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  3. Maninhaaa ^^
    Obrigada pelo comentário no meu blog! Ta iniciando ainda. Vejo q vc tem um grande acervo aqui! Parabéns viu, vc escreve muito bem!
    Enquanto ao pensar mais positivo,vo adotar. Mas já vem no sangue o espírito crítico, não consigo evitar...rsrs

    Kissu maninhaaaa

    Obs.: fui visitar os pacientes no sábado no PIA, foi muito bom! Não vi vc lá! vc foi? bjss

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  4. Belo texto!
    Belíssimo texto!!!
    Contudo, a vida não é a sua...
    tampouco será!

    Bjos ;D!!!

    SauloSG

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  5. Sayure, que bom que você se inspirou no texto que postei no meu blog. E que INSPIRAÇÃO hein? Acho que você condensou muito bem a "doença" que é o "sucesso profissional a qualquer custo" que nós somos "condenados" Principalmente no seio da classe média e alta. Alguém que é "preparada" desde o berço a ser um "sucesso" e vai perdendo a chance de viver desde a infância até a velhice só para ostentar os "Louros do sucesso".
    irônico é que 90% das histórias que ouço as pessoas encontraram seus grandes amores quando jovens (nessa época acreditamos mais) e justamente nesse período há o coro que diz " não é hora pra isso, pense mais em si, cuide primeiro de sua carreira" e tudo fica para depois... só que alguns momentos simplesmente definem toda sua vida.
    Parabéns mais uma vez estou simplesmente encantado com a escritora que você é. Tenho quase certeza que você vai REALMENTE tentar realizar seus sonhos, não os sonhos que mandaram você sonhar, que fizeram para você.

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  6. Inspirado no seu texto vou postar um texto que fala justamente da urgência de viver e do pouco tempo que, no final das contas, sempre temos para ficar com quem amamos. É um textinho básico mas bonitinho. rs Confira!

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  7. Garota você foi dez! realmente seu blog com o do Adriano são uma combinação perfeita! Parecem até ser a mesma pessoa...hihihi!
    Vou ser sua segudidora, também ansiosa para ler textinhos!

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  8. Gostei muito das palavras são muito tocantes nos fazem fefletir e pensar q nossa familia é mais importante.... vivemos tão pouco e nos perdemos em conhecimentos q nunca se definem como exato e abrimos os olhos e ñ vivemos nada!!! muito tocante ....Abraçossssssss

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