
É meia noite. As ruas estão vazias. O vento sopra fininho, levitando folhas secas de outono. Os prédios coloridos, com seus grandes anúncios, parecem brilhar mais do que as estrelas. As casas com as luzes apagadas, o carro na garagem. Tudo parece dormir. Mas você não.
Fecha os olhos, e quanto mais força faz para mantê-los assim, menos consegue. Rola no colchão, se enrola e desenrola dos lençois. O travesseiro parece quente. Um suor gelado brota da pele. Taquicardia. Até respirar parece difícil. Você se levanta, caminha pela casa, vazia. Todos dormem, menos você. Abre a geladeira, se afoga em doces, cookies e leite. Mas não adianta. O vazio de dentro não é fome. E você sabe disso. Ainda de pijamas, entra no carro, sem destino certo, e começa a dirigir.
Anda pelas avenidas, dobras as esquinas, à procura daquilo que nenhuma loja pode vender. E nenhum dinheiro pode comprar. Abre as janelas, e respira fundo o orvalho da madrugada. O ar inspirado entra nos pulmões, e parece injetar ao sangue, as mais temidas lembranças... Gelam os veias e as artérias, chegando até ao cérebro.. Dor de cabeça.
Dirigir agora é quase um ato reflexo. Por um segundo, fantasmas do passado te assombram a mente. Aparecem no banco do passageiro, atravessando a rua, ou simplesmente voando por aí.
As lembranças doem. Você acelera, pisa fundo.. tentando matar atropelada cada memória, cada pessoa, cada fantasma. Mas eles não morrem.. Você decide fugir. Como sempre fez. Corre desesperadamente, em direção a qualquer lugar.. Tudo o que você quer é esquecer, apagar tudo. Se ver livre do que te causa dor.
Então, num súbito suspiro, você acorda. Lençois molhados. Coração palpitante. Escuridão total. Terá sido um sonho? Está você ainda dentro do carro? Vivo?
O tic-tac do relógio se torna ensurdecedor.. mas o medo de se levantar e encarar a vida é aterrorizador.. e você prefere se reduzir ao estado deplorável que está.
Os fantasmas do passado ainda te prendem e sugam de você os minutos preciosos de vida que se esvaem... E você continua deitado. Assistindo de camarote a sua vida passar.. Se escondendo em sua própria covardia. Vivendo a vida medíocre que você mesmo escolheu viver. Sofrendo dores já doídas, abrindo cicatrizes já fechadas. Remechendo aquilo que já estava guardado.. Se prendendo em cadeias que você faz questão de construir. Achas mesmo digno de continuar vivendo? O que esperas? Um milagre? Alguém que te acorde, puxe pelo braço e te faça viver? ACORDA!! Lava o rosto, e deixa escorrer pelo ralo da pia todas as mágoas.. Saia da sua redoma de cristal, abra a janela! Ao contrário do que você imaginou, o sol já está brilhando a muito tempo. Só você não percebeu. A escuridão que tanto temes nada mais é do que o tapa-olhos que você mesmo colocou. Há um lindo dia lá fora, esperando por você. Vais mesmo continuar morrendo? A vida é muito preciosa para ser desperdiçada. E um dia você pagará o preço de cada escolha que fizer, ainda que seja não escolher nada. Por isso, pare de se sabotar e VIVA.