sábado, 15 de maio de 2010

Piano, meu velho piano..


Aos três anos de idade, ganhei meu primeiro instrumento musical. Uma flauta doce de plástico. Aos 4, entrei na escolinha, e aprendi a musicalização. Aos 5, comecei a tocar o "bife" no piano. Aos 8, comecei a me apresentar profissionalmente. Aos 15, comecei a minha primeira turnê nacional. Aos 18, a internacional. Aos 20, ganhei minha primeira tendinite. Me afastei do piano durante 3 meses. Aos 25, ganhei um dos maiores prêmios da música clássica. Aos 30, desenvolvi a síndrome do túneo do carpo na mão direita.Operei. Me afastei do piano por longos 8 meses. Aos 32, um tumor malígno na mão esquerda. Operei. A quimioterapia e a radioterapia me mantiveram longe do meu piano durante quase um ano. A dificuldades dos movimentos me fizeram reaprender a tocar, desde o início, com as devidas adaptações. Apenas 6 dedos ainda se moviam. Aos 40 anos, num acidente de carro, o vidro dianteiro cortou os tendões dos meus 3 dedos funcionantes da mão esquerda. Perdi completamente o movimento dela. Hoje sou velho.. e comigo ainda está meu velho piano. Sim.. o mesmo que eu ganhei aos 5 anos de idade. Guarda consigo tantas marcas, segredos, suor e lágrimas.. Seu som rouco pela idade ainda faz vibrar a minha alma. Mesmo velho, ele parece não se importar de ser tocado de maneira tão simples, por apenas três dedos. Viveu comigo a vida inteira, e aceita com carinho as minhas limitações. Hoje, aos 89 anos, me restam também esses três dedos, inúmeras partituras, e uma sala cheia de muitos prêmios. Mas se sou realmente merecedor de algo, peço a Deus, que tenha de mim, misericórdia.. E me permita descansar após concluir meu último feito. Um concerto, no Teatro da Paz. Ao findar minha regência, peço a Ele que de maneira "legata", junto com o final da música, retarde o meu coração bem devagar.. Que permita que antes de me deitar ao chão do palco, possa ainda me enrolar na minha idolatrada bandeira verde e amarela. E assim, junto com o apagar das luzes, fechem-se os meus olhos ao som da "Aquarela Brasileira". Brasil, meu Brasil brasileiro.. E no meu enterro, peço a todos que por favor não chorem. Permitam apenas que Ele chore uma última vez por mim. Meu piano, meu velho piano.. que tanto me sentiu chorar. Sim, peço que meu neto toque o Hino nacional, e depois, Brasileirinho! E se de mim não se poderá ouvir mais música, que mantenham viva a alma desse meu velho adorado. E quando finalmente eu for esquecido, que nunca se esqueçam do meu velho e querido, meu eterno amigo, meu piano apaixonado.

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